A terceirização de serviços contábeis é uma prática cada vez mais comum, especialmente em instituições financeiras e de pagamento. Embora possa trazer eficiência e especialização, envolve riscos significativos que precisam ser levados em consideração.
Do ponto de vista de Compliance, o desafio é garantir que a instituição mantenha o controle sobre processos, cumpra os prazos regulatórios e preserve sua responsabilidade junto ao Banco Central.
A seguir, trago os principais pontos que entendo demandar uma maior atenção:
1. Due Diligence do Prestador
A análise prévia do fornecedor é a primeira barreira de proteção. No caso de prestadores contábeis, essa diligência deve ser rigorosa, com base nos níveis adotados pela Instituição.
Alguns pontos a serem analisados na DD:
- Experiência com o COSIF: o fornecedor deve demonstrar histórico de escrituração e mapeamento de contas compatível com a estrutura do BCB.
- Reports regulatórios: comprovação de entregas passadas de CADOCs e demais relatórios obrigatórios.
- Controles internos: segregação de funções, conciliações formais e trilhas de auditoria.
- Capacitação técnica: registro ativo no CRC, cumprimento da educação continuada e conformidade com as Normas Brasileiras de Contabilidade.
- Segurança da informação: análise de políticas de proteção de .
- Familiaridade com o ERP: aqui abordo em um tópico específico.
O objetivo é verificar não apenas a idoneidade e técnica, mas também se o prestador possui estrutura suficiente para garantir conformidade regulatória contínua.
2. Responsabilidade do Contador
O contador responsável técnico responde perante o CRC pelo cumprimento das normas contábeis e pelo zelo profissional. Contudo, perante o Banco Central, a responsabilidade não é transferida.
Ou seja, ainda que a contabilidade esteja terceirizada, a instituição e seus administradores continuam respondendo diretamente por erros, atrasos ou omissões.
Na prática, isso significa que o Compliance deve acompanhar de perto os trabalhos do prestador, estabelecendo rotinas de revisão e validação internas dos relatórios ao regulador.
3. Reportes Regulatórios
O não envio, envio intempestivo ou envio com problemas de qualidade de informações ao BCB pode gerar multas, sanções e até responsabilização de administradores.
Como a instituição é sempre a responsável, é essencial que os contratos com o prestador incluam:
- Elaboração de um Calendário de Obrigação junto ao Contador;
- SLAs específicos para cada obrigação regulatória (Gosto de adotar sempre o D-2).
- Planos de contingência,
- Penalidades contratuais severas.
O Compliance deve acompanhar sempre se todos os envios estão sendo feitos de forma tempestiva e correta, sendo de extrema importância o acesso ao profissional de compliance aos sistemas do Banco Central, como ao Controle de Remessa de Documentos (CRD).
4. Familiaridade com o ERP
A contabilidade terceirizada só funciona bem se houver domínio sobre o ERP utilizado pela instituição. De nada adianta um contador com muita experiência técnica, mas sem familiaridade com o ERP utilizado pela Instituição.
5. Comunicação ao Banco Central
A contratação de serviços contábeis, por si só, não exige comunicação ao BCB.
No entanto, se houver uso de serviços em nuvem ou de processamento de dados classificados como relevantes, a instituição deve comunicar previamente e cumprir exigências específicas de governança contratual, conforme as Resoluções CMN 4.893/2021 e BCB 85/2021.
Portanto, é papel do Compliance avaliar se a terceirização se enquadra como “serviço relevante” e, em caso positivo, acionar o processo formal de comunicação ao regulador.
6. Apoio à Auditoria Independente
Por fim, o prestador de contabilidade deve estar preparado para dar suporte às auditorias independentes, fornecendo documentação, reconciliações e papéis de trabalho.
Aqui, a clareza contratual é fundamental: o auditor deve ter acesso garantido às informações, e o prestador deve colaborar com os prazos definidos pelo regulador e pela instituição.
O alinhamento entre auditoria, prestador contábil e área de Compliance reduz riscos de atrasos e inconsistências em relatórios anuais.
Conclusão
A terceirização da contabilidade pode trazer ganhos de eficiência, mas exige uma governança rigorosa.
O Compliance desempenha um papel central em estruturar a contratação, fiscalizar os prazos regulatórios e garantir que a responsabilidade da instituição esteja sempre resguardada.
Mais do que escolher um bom prestador, trata-se de implantar mecanismos de monitoramento contínuo, assegurando que o serviço contábil seja um aliado estratégico, e não um ponto de vulnerabilidade perante o Banco Central.